Você sabia que ao adquirir um imóvel de um devedor inscrito em dívida ativa, e que não tenha bens ou rendas suficientes para assegurar o total pagamento da dívida, é considerado fraude à execução? E, neste caso, você pode perder o bem adquirido?
O nosso ordenamento jurídico brasileiro interpreta os negócios jurídicos com fulcro no princípio da boa-fé, conferindo estabilidade e segurança jurídica na celebração de um negócio pautado pela boa-fé.
Em regra, protege-se o terceiro adquirente de boa-fé, que de maneira simplista tem-se por aquele que adquire um bem, tomando as devidas cautelas, sem conhecimento de eventuais vícios do negócio e sem o intuito de lesar os credores do vendedor.
A boa-fé é presumida, e nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 375, nos seguintes termos:
“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”
Deste modo, se você adquiriu um bem e não havia nenhuma anotação às margens da matrícula, assim como desconhecia ou não poderia ter conhecimento de que aquele bem foi vendido para prejudicar eventuais credores do vendedor, tem-se caracterizado a sua boa-fé.
Contudo, na órbita da execução fiscal é entendimento consolidado do STJ a não incidência da referida súmula, bastando a efetivação da inscrição em dívida ativa do vendedor, e ausência de bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita, para a configuração da fraude.
Assim, caso o terceiro venha adquirir patrimônio do devedor fiscal, mesmo de boa-fé, tal condição não afasta a fraude, consoante dispõe o art. 185 do Código Tributário Nacional:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.
Nestes casos, há uma presunção de fraude absoluta, apenas com inscrição do débito em dívida ativa, e a única forma de ilidir a presunção de fraude é a reserva, pelo devedor, de bens que assegurem o pagamento da dívida inscrita.
Em corolário o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM IMÓVEL. PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO DA DEVEDORA. FRAUDE À EXECUÇÃO. PRESUNÇÃO ABSOLUTA. BOA-FÉ. IRRELEVÂNCIA. MATÉRIA PACÍFICA.
1. No REsp 1.141.990/PR, repetitivo, a Primeira Seção definiu: “(a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (b) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n. 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude; © a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das “garantias do crédito tributário”. Assim, verificada a situação caracterizadora de fraude à execução, torna-se irrelevante eventual boa-fé da parte compradora do bem imóvel para fins de impedir a penhora, pois, conforme definição jurisprudencial, a presunção de fraude é absoluta.
2. Na espécie, o acórdão recorrido consignou que a alienação do imóvel ocorreu após a citação da executada. Logo, caracterizada está a fraude à execução.
3. Ressalte-se que esse entendimento se aplica também às hipóteses de alienações sucessivas, daí porque “considera-se fraudulenta a alienação, mesmo quando há transferências sucessivas do bem, feita após a inscrição do débito em dívida ativa, sendo desnecessário comprovar a má-fé do terceiro adquirente” (REsp 1.833.644/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019).
4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.982.766/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 30/5/2022, DJe de 2/6/2022).
Nesta senda, o foco não é mais proteger o terceiro de boa-fé, e sim o interesse público, vedando a dilapidação do patrimônio do devedor, uma vez que o contribuinte ao não recolher os tributos afeta negativamente a satisfação das necessidades coletivas.
Você já imaginou comprar um imóvel e quitá-lo, e depois de um período ser surpreendido com uma penhora em uma ação judicial movida por um terceiro em face do vendedor e perder o imóvel por reconhecimento de fraude aos credores ou à execução na alienação?
Portanto, lembre-se que ao adquirir um imóvel você deve buscar ajuda profissional especializada para através de uma diligência jurídica, fazer uma minuciosa análise acerca do bem e do vendedor, resguardando o seu interesse na celebração do negócio jurídico.