A Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural de todas as normas e de todo o sistema protetivo ao consumidor, tanto de forma individual ou coletiva.
Diante do interesse público e social da proteção ao consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, traz disposições fundamentais para o crescimento não só da economia, mas garante que haja o devido respeito ao consumidor.
Em vista disso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do artigo 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado.
Com o aumento expressivo da população e procura de moradia, aliado à implementação de programas habitacionais que facilitaram o acesso à casa própria, vimos no decorrer dos anos, a evolução do mercado imobiliário, em especial no que diz respeito a edificação de condomínios residenciais.
O edifício de múltiplos andares possibilitou o progresso das cidades, multiplicou a utilização imobiliária e desdobrou economicamente o sentido útil da propriedade, conforme Caio Mário da Silva Pereira. 1
O cenário do mercado de construção de condomínios edilícios traduzia-se na atuação de empreendedores/construtores sem a devida regulação legal, o qual foi estruturado com a Lei nº 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
A regulamentação da incorporação imobiliária abriu portas para o fortalecimento do setor de construção de condomínios horizontais, assegurando aos consumidores, que ainda não estavam habituados com tal modalidade de moradia, um parâmetro legal mínimo, tanto da vida em condomínio, quanto dos deveres das construtoras, à luz da proteção ao consumidor.
Isso porque, eram – e ainda são – comuns as reclamações dos adquirentes de unidades em condomínio acerca do atraso na entrega do empreendimento, má qualidade da construção, da qual se originam vícios construtivos, diferença na metragem dos imóveis, dentre tantos outros.
A partir da vigência da Lei nº 4.591/64, o incorporador/construtor é obrigado a coordenar e promover a construção do empreendimento, executar o serviço de engenharia de forma adequada, assumindo uma série de obrigações em relação à atividade de que desenvolve: perfeita execução, acabamento e entrega da obra, nos exatos termos do memorial descritivo e das normas técnicas vigentes.
A responsabilidade do incorporador independe de ser ele o construtor do empreendimento ou não, deve assegurar que a construção seja finalizada, e, atrelado a este dever, está o de garantir a solidez e segurança da edificação.
Mesmo que o incorporador não seja “o executor direito da construção do empreendimento imobiliário, mas contrata construtor, fica, juntamente com este, responsável pela solidez e segurança da edificação (CC/2002, art. 618). Trata-se de obrigação de garantia assumida solidariamente com o construtor” (Resp 884.367/DF).
Assim, exsurge a obrigação de resultado das incorporadoras/construtoras, que nada mais é do que sua obrigação pela boa execução da obra, que deve atender o objetivo pela qual foi realizada, a moradia habitacional.
Tais obrigações, são objeto de regulamentação técnica, mais especificamente na NBR 15.575 da ABNT, a qual traça diretrizes acerca da vida útil, desempenho, eficiência, sustentabilidade e manutenção das edificações de empreendimentos residenciais, inserindo o fator de qualidade da obra que será entregue aos adquirentes.
A incorporadora/construtora deve entregar o empreendimento em perfeitas condições de uso, do contrário, responderá de forma objetiva pelo emprego de material de má qualidade ou defeituoso, e também, pelos vícios e defeitos decorrentes da má execução do empreendimento, na esteira do que prevê o artigo 618 do Código Civil:
Art. 618 – Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.
Mas, este prazo do artigo 618 do Código Civil quer dizer que, ao receber uma unidade em condomínio, o Comprador tem apenas cinco anos para demandar contra a construtora/incorporadora pelos vícios e defeitos construtivos?
Não!
O prazo de cinco anos estabelecido no artigo 618 do Código Civil é o que chamamos de prazo de garantia.
Isso quer dizer que, durante os primeiros cinco anos, contados da conclusão e entrega da obra, o construtor/incorporador responde, objetivamente, pelos defeitos e vícios da edificação (vazamentos, rachaduras, problemas na pintura, etc.), sendo que sua culpa só será afastada caso robustamente provado em contrário.
Na linha dos arestos proferidos pelo STJ, “transcorrido o lapso de garantia, não deixam as construtoras de responder pelos danos advindos da má construção dos empreendimentos. Após o quinquênio, demonstrada a culpa das construtoras, poderão, sim, ser elas responsabilizadas não havendo, pois, nesta perspectiva, sequer considerar-se que a seguradora não mais possuiria prazo para acionar a responsável pelos defeitos”. (AgInt no REsp n. 1.702.126/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 17/6/2019, DJe de 25/6/2019.)
Muitas vezes, é incerta data do surgimento dos vícios, em especial quando o empreendimento é entregue em fases, o que impede e dificulta a fixação do termo inicial do prazo prescricional e até, da garantia.
Em vista disso, já se manifestou o Tribunal Catarinense, através da sentença proferida D. Juiz Federal Sergio Renato Tejada Garcia, nos autos nº 5002290-04.2018.4.04.7216/SC, a qual foi confirmada pelo Tribunal Federal da 4ª Região, no sentido de que “tratando-se de vícios que, por sua própria natureza, surgem e se manifestam de forma progressiva, neste momento processual, não como concluir no sentido da ocorrência de decadência ou prescrição, considerando-se que não é possível precisar o termo inicial dos respectivos prazos”.
Explicando a decisão acima referida, é importante diferenciar a decadência da prescrição, sendo estas:
A decadência é a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para o seu exercício (DINIZ, 1994, p. 212).
A prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em consequência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo (VENOZA, 2009, p.595).
Portanto, constatados os vícios construtivos, dentro do prazo de garantia de 05 (cinco) anos, o consumidor terá o prazo de até 10 (dez) anos para pedir indenização, nos termos do artigo 205, do Código Civil e jurisprudência consolidada pelo STJ, da qual se extrai:
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que é decenal o prazo prescricional da ação para obter, do construtor, a indenização por defeito na obra, na vigência do Código Civil de 2002. Precedentes.” (AgInt no AREsp n. 1.909.182/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 17/6/2022.)
O entendimento da Corte Superior é no sentido de que o prazo ressarcimentos dos danos materiais e/ou morais decorrentes dos vícios construtivos é prescricional, veja-se:
“A pretensão de natureza indenizatória do consumidor pelos prejuízos decorrente dos vícios do imóvel não se submete à incidência do prazo decadencial, mas sim do prazo prescricional” (AgInt no AREsp n. 1.711.018/PR, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/4/2021, DJe 12/5/2021)
Desta forma, o consumidor deve levar em conta a necessidade de interpelar (notificar) a construtora/incorporadora acerca dos problemas identificados no empreendimento, seja na área comum, ou privativa, concedendo um prazo para que a Construtora proceda aos reparos, consoante previsão do inciso VI do artigo 205 do Código Civil:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Acaso a Construtora permaneça inerte, ou seja, não execute os reparos dos vícios construtivos, é possível buscar o Judiciário e requerer indenização pelos danos decorrentes da má execução da obra.
Para instruir a demanda indenizatória sugerimos que seja elaborado um laudo técnico, por profissional devidamente habilitado, indicando as patologias e anormalidades da construção e atestar se as mesmas decorrem da má execução da obra, ou se originadas pela falta de manutenção do condomínio, relativamente as áreas comuns, ou do adquirente, relativamente à unidade privativa.
Esta ação poderá ser ajuizada pelo próprio Condomínio, ou pela coletividade dos adquirentes, quando se tratar de condomínio não regularmente instituído, no prazo de até 10 (dez) anos, contados a partir da identificação dos vícios.
1- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 85.